Estimada juventude,
Quem fala com você não é uma profissional de 90 anos de experiência, mas sim uma profissional de mais de 9 anos de experiência. Sim, um jovem profissional - assim como você. Pensei muito em como poderia gritar minhas dores e vivências nesse mundo selvagem de trabalhar pela conservação da sociobiodiversidade, então, cheguei nessa carta. Afina, é o formato que mais gosto de escrever para mim e para os que me lêem.
Nesse momento, você pode estar com incertezas profissionais, vivendo momentos de "limbo" entre uma porta que se fechou e uma janela que está se abrindo, e provavelmente se vê cansado disso tudo. Cansado de sentir e se perguntar: quando vou ter realmente estabilidade financeira? Quando vou realmente receber o que eu mereço pelo trabalho que faço? Quando vou sair desse ciclo de "tem mas encerrou"?
Eu sou aquelas pessoas que sempre tive certeza. Sempre tive certeza sobre o que eu queria trabalhar e qual caminho deveria seguir em acordo com a fase da vida. Não somente por intuição, mas também por conhecimento adquirido com as formações em liderança e um bocadinho de visão estratégica. Sou também aquela que bate e abre portas, sem esperar que alguém me faça esse favor. Isso me ajuda muito e me abre muitas oportunidades, mas também não me trouxe, até esse momento, a tão sonhada real e fluida valorização financeira pelo meu trabalho.
Não se preocupe, isso não é uma carta para desestimular você, essa é simplesmente uma carta de realidade. Uma realidade que por vezes eu não quis enxergar, mas que existe.
Você (e eu) não somos valorizados financeiramente pelo nosso trabalho por nossa culpa, mas sim por todo um sistema. Um sistema construído com base em Darwin, mas não onde os mais fortes sobrevivem, e sim onde voa mais alto os que mais estratégias sujas possuem.
Alguns vão querer usar sua visão, inovação, criatividade e habilidades, enquanto tratam você mal e/ou pagam nada em troca. Outros vão pagar pouco, pressionar muito e no final dizer que a culpa é sua de não ter produzido algo à altura - quando foram as condições impostas que trouxeram resultados que não estão à altura do que você pode produzir. Outros ainda vão oferecer reconhecimento, flores e um dinheiro inalcançável enquanto usam seu trabalho como mão de obra barata - garantindo que no final você não vai receber o que devia porque, ops, não agiu de forma esperada (/desculpa para ficar com mais dinheiro para eles). Outros vão realmente te pagar quanto deve, mas podem usar seu nome (limpinho e sem históricos ruins) para sujarem como quiserem.
Esses são alguns casos dos vários camaleões e vampiros encontrados no mundo. Nos filmes da Disney, faltaram avisar que os monstros (mesmo os que não pareciam), eram todos seres humanos totalmente comuns e fáceis de encontrarmos em cada esquina. Faltaram avisar que eles sugam nossa energia vital (principalmente de jovens plenos nessa energia e sonhos), fazendo desse seu principal alimento.
Essa carta é um grito para dizer que não precisamos ser como eles. Porque um dia, jovens, acreditem, vão surgir oportunidades de seguirmos alimentando esse ciclo doente ou encerrarmos esse ciclo de vez. Não vai ser uma única oportunidade, vão ser várias.
Se quisermos construir um mundo de real bem-viver, vamos precisar aproveitar cada oportunidade dessa para encerrar ciclos doentíos. Vamos precisar exigir boas condições de trabalho, de valorização financeira e reconhecimento profissional. Vamos precisar exigir que nossos trabalhos respeitem a natureza e seus povos, e não fiquem cristalizados em diversos papéis e planos. Vamos precisar propor soluções participativas para cada tomada de decisão que precise ser realizada, construindo espaços de governança realmente equitativos. Vamos precisar dizer muitos "não"s e escolher bem nossos "sim"s mesmo que dê muito frio na barriga. Vamos precisar nos valorizar primeiro para conseguir exigir respeito com maior facilidade. Vamos precisar observar e escutar mais antes de agir com o coração. Outras vezes vamos só precisar agir com o coração. Vamos precisar aceitar que vamos errar (vamos errar MUITO) e que está tudo bem, faz parte do processo de aprendizado. Não está tudo bem o não poder errar, isso realmente não é humano.
Essa é uma carta para te dizer que não vai ser fácil nem vai ser amanhã, mas que temos começar a impor limite, respeito e ousadia no agora. Não podemos esperar que construam os melhores espaços com as melhores condições para nós, nós temos que exigir que o façam e (por vezes) ensinar a como eles devem fazê-lo.
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